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A Proteção ao Adquirente de Boa-Fé em Transações Imobiliárias: Garantias e Riscos


Este artigo aborda o conceito de boa-fé nas transações imobiliárias, examinando as garantias jurídicas que o ordenamento brasileiro oferece ao adquirente de boa-fé e os riscos que ele pode enfrentar.


A legislação, em especial o Código Civil e a Lei de Registros Públicos, estabelece mecanismos de proteção para compradores que, mesmo agindo com a devida diligência, podem ser surpreendidos por vícios ocultos, fraudes ou irregularidades. A análise também discute o papel da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) na consolidação da proteção ao adquirente, especialmente nas situações onde há conflito entre direitos de terceiros e o comprador que agiu de forma transparente e ética.


O mercado imobiliário, especialmente no Brasil, é uma das áreas mais dinâmicas e complexas do direito patrimonial. Em um ambiente de transações de elevado valor e, muitas vezes, longos prazos, a segurança jurídica é essencial para preservar os direitos das partes envolvidas. O adquirente de boa-fé, que age com diligência e cuidado ao adquirir um imóvel, é um dos principais sujeitos que a legislação busca proteger. Contudo, a complexidade da aquisição de imóveis muitas vezes envolve a possibilidade de fraudes, documentos irregulares ou ônus não aparentes, que podem trazer grandes prejuízos ao comprador.


Este artigo tem como objetivo analisar os mecanismos de proteção ao adquirente de boa-fé nas transações imobiliárias, à luz do Código Civil, da Lei de Registros Públicos e da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. Também serão discutidos os riscos que o comprador pode enfrentar, mesmo quando agindo de maneira diligente, e como a legislação responde a esses desafios.


1. O Conceito de Boa-Fé nas Transações Imobiliárias


No direito brasileiro, o princípio da boa-fé é central para a proteção jurídica em contratos e transações, incluindo o mercado imobiliário. Ele se desdobra em duas modalidades:


Boa-fé subjetiva: é a crença do adquirente de que está agindo corretamente e de que não existem obstáculos ou vícios ocultos no negócio.


Boa-fé objetiva: trata-se de um comportamento ético, pautado pela confiança mútua, transparência e lealdade entre as partes.


Em transações imobiliárias, a boa-fé do adquirente é reconhecida quando ele adota todas as medidas cabíveis para garantir que o negócio seja regular, tais como a análise de certidões, consulta ao registro de imóveis e a verificação da idoneidade do vendedor. O art. 422 do Código Civil reforça a obrigatoriedade da observância à boa-fé durante a execução e conclusão de contratos.


Além disso, o Código Civil brasileiro, em seu art. 1.201, protege a posse de boa-fé, presumindo que aquele que adquire a posse de um imóvel com base em um título legítimo desconhece eventuais vícios que comprometam a validade da transação.


2. Mecanismos de Proteção ao Adquirente de Boa-Fé


A legislação brasileira oferece diversos mecanismos para proteger o adquirente de boa-fé nas transações imobiliárias. A seguir, serão analisadas as principais formas de proteção:


2.1. Publicidade Registral e a Presunção de Veracidade


A Lei de Registros Públicos (Lei nº 6.015/1973) estabelece que o registro imobiliário é o ato formal que confere publicidade à situação jurídica do imóvel. Ou seja, a propriedade do imóvel somente se transfere mediante o registro do título de compra no cartório de registro de imóveis, conforme dispõe o art. 1.245 do Código Civil. Esse registro é fundamental para assegurar a boa-fé do adquirente, uma vez que ele pode confiar na informação pública registrada.


A publicidade registral protege o adquirente ao conferir presunção de veracidade e segurança jurídica à transação. Se, ao consultar o cartório, o comprador não encontra qualquer irregularidade no registro, ele pode concluir que o imóvel está livre e desembaraçado, e sua boa-fé é presumida. O registro imobiliário cumpre a função de dar conhecimento público à situação jurídica do bem, sendo uma das principais garantias de segurança jurídica.

2.2. Proteção contra Fraudes e Vícios Ocultos


Mesmo tomando as precauções necessárias, o adquirente de boa-fé pode enfrentar fraudes ou vícios ocultos que comprometam o negócio. O art. 1.201 do Código Civil assegura que o possuidor de boa-fé não deve ser responsabilizado por fraudes que não lhe eram conhecidas no momento da aquisição. Se, por exemplo, o vendedor ocultou a existência de dívidas, ônus ou pendências jurídicas sobre o imóvel, o comprador tem o direito de pedir a anulação da compra ou a reparação dos danos.


Nesses casos, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem desempenhado um papel importante na proteção ao adquirente de boa-fé. O STJ já decidiu, em diversas oportunidades, que o comprador que agiu de forma diligente, observando todos os cuidados necessários, não pode ser prejudicado por fraudes de terceiros. Em situações de conflito entre o direito de terceiros e a boa-fé do adquirente, a Justiça tende a proteger aquele que agiu de acordo com as regras, com base no princípio da confiança.


2.3. Cancelamento de Registros Fraudulentos


Quando ocorre uma fraude no registro imobiliário, como a venda de um imóvel por um não proprietário ou a falsificação de documentos, o adquirente de boa-fé pode solicitar judicialmente o cancelamento do registro. De acordo com o art. 214 da Lei de Registros Públicos, o cancelamento do registro pode ser requerido em casos de erro ou fraude, e, se o comprador de boa-fé tiver registrado corretamente o título de compra, ele tem grandes chances de ver seu direito protegido.


É importante ressaltar que o registro anterior, obtido fraudulentamente, não pode prevalecer sobre o título de um adquirente de boa-fé que, de forma legítima, fez o registro conforme a lei. A jurisprudência do STJ segue esse entendimento, reconhecendo a superioridade do direito do adquirente que registrou de maneira correta.


3. Riscos Enfrentados pelo Adquirente de Boa-Fé


Mesmo com os mecanismos de proteção oferecidos pela legislação, o adquirente de boa-fé ainda pode enfrentar alguns riscos:


Conflitos de titularidade: Quando o vendedor não é o legítimo proprietário do imóvel ou há disputas sobre a titularidade, o comprador pode ser envolvido em processos judiciais.


Penhoras e ônus ocultos: Caso o imóvel esteja gravado com penhoras ou outros ônus que não foram informados ao comprador, ele pode perder o bem ou ser responsabilizado pelas dívidas.


Vícios ocultos: Problemas estruturais no imóvel, como defeitos de construção ou pendências administrativas, podem gerar prejuízos ao comprador.

Para mitigar esses riscos, o adquirente deve adotar todas as diligências possíveis, como solicitar certidões de ônus reais, verificar a regularidade do imóvel junto ao cartório de registro de imóveis e consultar a situação fiscal do vendedor.


Conclusão


A proteção ao adquirente de boa-fé é um dos pilares do direito imobiliário brasileiro. O sistema de registros públicos, aliado à boa-fé objetiva, oferece ao comprador segurança jurídica em suas transações, especialmente quando ele age com diligência e transparência. Entretanto, fraudes e irregularidades podem, eventualmente, colocar em risco seus direitos, cabendo à legislação e à jurisprudência oferecerem amparo adequado.


A jurisprudência do STJ tem sido clara ao proteger o comprador de boa-fé, sempre que este tenha seguido os passos exigidos para a regularidade da transação. A observância das normas de publicidade registral, somada ao cumprimento das obrigações contratuais, são essenciais para garantir que os direitos do adquirente sejam respeitados, mesmo diante de fraudes ou disputas de titularidade. Portanto, a boa-fé não só confere proteção ao adquirente, como fortalece a segurança jurídica do mercado imobiliário.

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